Dois grandes desafios da esquerda do século XXI

Posted on 23/11/2013

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Nós somos os 99% [da sociedade mundial] e nós estamos com fome

Nós somos os 99% [da sociedade mundial] e nós estamos com fome

Nos dias 18 e 19 de novembro, a cidade de São Paulo recebeu lideranças dos diversos movimentos que tomaram as ruas do mundo desde as revoltas nas periferias parisienses em 2005. O encontro, aberto com a palestra do filósofo italiano Antônio Negri, tocou em muitas questões importantes para pensar o nosso tempo (o início de século XXI), mas quero destacar dois pontos que considero centrais em relação a isso: 1) o processo de endividamento das famílias e 2) a falência das instituições de representação política da atualidade.

O  processo de endividamento das famílias tem relação direta com o fortalecimento da sociedade de consumo (ao menos em boa parte do ocidente). No Brasil, o que chamamos de nova classe média é, acima de tudo, uma fração da classe trabalhadora que começou a ter acesso ao consumo em razão da elevação da renda (promovida pela melhora na distribuição da riqueza por meio de aumentos salariais e subsídios públicos como o bolsa família e o ProUni), mas, sobretudo, por uma forte ampliação do crédito às pessoas físicas. Desta forma, temos uma classe trabalhadora com mais acesso aos bens de consumo duráveis e a serviços antes exclusivos às classes mais abastadas. Ao mesmo tempo, temos uma classe trabalhadora altamente endividada e consequentemente mais conservadora, pois teme perder a qualquer momento a posição conquistada.

Esta mesma classe trabalhadora não se percebe representada nas instituições que, em teoria, teriam a função de representá-la, o que ocorre porque os processos de escolha dos representantes estão altamente comprometidos com o capital financeiro.

Ora, se a eleição de um vereador ou deputado, ou mesmo de um presidente de sindicato, exige cada vez mais somas de dinheiro para se concretizar, o representante eleito nesse modelo já toma posse comprometido com aqueles que financiaram sua campanha e não com aqueles que lhes confiaram o voto. Desta forma, se produz um descolamento cada dia maior entre representantes e representados, e um descrédito progressivo em relação às instituições de representação política, como sindicatos, partidos políticos, parlamentos e governos. Frases como “não nos representam” ou “99% contra 1%” evidenciam o descontentamento popular com instituições supostamente democráticas e com o domínio do capital financeiro na implementação de políticas públicas (sempre austeras com os trabalhadores e indulgentes com os grandes operadores de negócios).

Acredito que estes dois elementos acima analisados são centrais para entender as manifestações de rua que tem tomado o mundo (e tomaram o Brasil em 2013), bem como para pensar uma reforma profunda do modelo institucional de representação política hoje existente, e do modelo de desenvolvimento social e econômico que promove distribuição de renda, mas também promove uma sociedade individualista, insegura e, portanto, conservadora. Creio que o primeiro elemento (distribuição da riqueza) não precisa necessariamente vir acompanhado dos demais.  Como fazer? A busca dessa resposta é o que mobiliza encontros como este que aconteceu em São Paulo.

 

Posted in: Política